Guerras da Água na Califórnia
As Guerras da Água na Califórnia foram uma série de conflitos entre a cidade de Los Angeles e os agricultores e pecuaristas do Owens Valley no Leste do estado americano da Califórnia, além dos ambientalistas. Quando Los Angeles cresceu muito no final do século XIX, o abastecimento de água tornou-se insuficiente. Fred Eaton, prefeito da cidade, imaginou que a água poderia ir até Los Angeles vinda do Owens Valley, por meio de um aqueduto. A construção ficou a cargo de William Mulholland e foi terminada em 1913. Os direitos sobre a água foram conseguidos depois de uma intensa luta política com uso de muitos subterfúgios e mentiras.[1] Além disso, os fazendeiros não teriam recebido um preço justo pela cessão dos direitos de uso da água.
Já na década de 1920, o volume de água desviada do Owens Valley era tão grande que tornou difícil a continuidade da agricultura na região. Isso levou a que os fazendeiros tentassem destruir o aqueduto. Los Angeles prevaleceu e manteve a água fluindo. Em 1926, o Lago Owens que ficava na parte inferior do vale, ficou completamente seco devido ao desvio.
A água era necessária para manter o crescimento de Los Angeles. Em 1941, Los Angeles desviou a água que alimentava Mono Lake para o aqueduto. Esse lago, ao norte do Owens Valley, é um importante ecossistema para migração de aves. O nível da água baixou com o desvio e tornou-se uma ameaça para as aves. Ambientalistas, liderados por David Gaines e o Comitê Mono Lake, se engajaram em uma série de litígios legais contra Los Angeles entre 1979 e 1994. Essas ações forçaram a cidade a interromper o desvio da água em volta do Mono Lake, que voltou a um nível aceitável para o ecossistema da região.
Owens Valley antes das Guerras da Água
[editar | editar código-fonte]Em 1833, Joseph Reddeford Walker liderou a primeira expedição conhecida dentro da região do Owens Valley no centro da Califórnia. Walker notou que o solo do vale era inferior ao dos outros lados das escarpas da Sierra Nevada e que as enxurradas que desciam das montanhas eram absorvidas pelo chão árido do deserto.[2] Após os Estados Unidos assumir o controle da Califórnia em 1848, foi feito o primeiro levantamento das terras públicas conduzido por A.W. Von Schmidt entre 1855 e 1856, o que foi o passo inicial para assegurar ao governo o controle do vale. Von Schmidt relatou que o solo do vale não era bom para a agricultura exceto nas terras próximas das nascentes e incorretamente concluiu que o "Owens Valley não era útil para o homem branco".[3]
Em 1861, Samuel Bishop e outros rancheiros começaram a criar gado aproveitando a grama abundante que crescia no Owens Valley. Os índios Paiute viviam no vale e usavam a irrigação para o cultivo.[1] Os dois grupos entraram em conflito pela terra e uso da água e a maioria dos índios foi expulsa do vale pelo exército estadunidense em 1863, no acontecimento conhecido como Guerra Índigena do Owens Valley.[4]
Muitos colonizadores vieram para a área com a promessa de enriquecimento no garimpo. O uso da água do Rio Owens tornou atraente investimentos em agricultura.[1] A Lei de Terras de 1862 (Homestead Act de 1862) deu aos pioneiros o prazo de cinco anos para requererem o título de propriedade das terras. A lei limitou o tamanho das aquisições individuais em até 160 acres, suficiente para formar pequenas fazendas.[5]
A lei das áreas desérticas de 1877 (Desert Land Act de 1877) permitiu a aquisição individual de áreas maiores, até 640 acres e sem a obrigatoriedade de fixar residência, com o objetivo de atrair um maior número de colonos.[3] Em 1866, a rápida aquisição de terras começou e em meados de 1890 a maior parte do Owens Valley já tinha sido reivindicada. O grande número de requisições fez com que os especuladores de terra aparecessem.
Antes do Aqueduto de Los Angeles, a maior parte dos 200 km de valas e diques que faziam a irrigação nas terras do vale vinham do norte, enquanto a região sul foi povoada por pecuaristas. O sistema de irrigação criado pelas companhias construtoras de barragens não dava uma drenagem adequada e o solo ficava saturado a ponto das plantações não crescerem. O nível da água do Lago Owens diminuiu.
Aqueduto de Los Angeles: o começo das guerras
[editar | editar código-fonte]Os conflitos pela água se intensificaram quando Frederick Eaton foi eleito prefeito de Los Angeles em 1898,[6] e indicou seu amigo, William Mulholland, como superintendente do recém-criado Departamento de Água e Eletricidade de Los Angeles (LADWP).[7]
Eaton e Mulholland queriam que Los Angeles crescesse.[8] O fator impeditivo, contudo, era o abastecimento de água. Eaton e Mulholland perceberam que o Owens Valley era o destino de um grande fluxo de água que descia da Sierra Nevada e que a força da gravidade poderia fazer fluir a água por um aqueduto, direcionando-a até Los Angeles.[9]
Os direitos pela água
[editar | editar código-fonte]Na virada para o século XX, o governo americano planejava construir sistemas de irrigação para ajudar os fazendeiros do Owens Valley mas isso deixaria Los Angeles sem a água adicional que seus lideres queriam.[8]
Eaton e Mulholland iniciaram uma campanha desleal para obter os direitos à água e parar os planos do governo federal.[1] O engenheiro regional do governo, Joseph Lippincott, era um amigo próximo de Eaton.[1] Eaton conseguiu ser indicado como agente do governo graças a Lippincott e com isso teve acesso a informações privilegiadas sobre os direitos da água e pôde recomendar ações que beneficiariam Los Angeles.[1] Lippincott como funcionário do governo federal, também servia como um consultor pago por Eaton e ensinou as autoridades de Los Angeles sobre o que fazer para obter os direitos da água.[1]
Orientado, Eaton se fez passar por um grande pecuarista, pedindo alto preço pelas terras.[1] Ele comprou terras como um investidor privado e esperava revendê-las para Los Angeles por um preço acertado.[10] Eaton afirmou numa entrevista ao Los Angeles Express em 1905 que abrira mão de seus direitos à água em favor da cidade de Los Angeles sem pagamento, "exceto reter o gado que tinha reunido para realizar os negócios ... e mantido em pastagens nas montanhas sem qualquer valor" [11]
Mullholland também ajudou a enganar as pessoas. Em Los Angeles, ele influenciou a opinião pública ao exagerar sobre a falta de água.[1] Também mentiu ao dizer que a água a ser desviada do Owens Valley seria para fins domésticos e não para irrigação.[8]
Ao final, Eaton e Mullholand conseguiram cancelar o projeto de irrigação do governo.[6]
Muitos afirmaram que Los Angeles pagou um preço injusto aos fazendeiros de Owens Valley pelo uso da água.[12] Gary Libecap da Universidade da Califórnia, Santa Barbara, anotou que os preços pagos pela cidade a outras fontes de recursos, por acre, era maior do que os fazendeiros receberam.[13] Os fazendeiros que resistiram foram pressionados pelas autoridades da cidade até que em 1930 receberam um preço maior por suas terras; a maioria havia negociado suas propriedades entre 1905 e 1925 por um valor inferior.[13] Contudo, a venda de suas terras propiciou aos fazendeiros uma renda maior do que a ser obtida pela agricultura ou pecuária.[13] Nenhuma das vendas foi feita sob ameaça de desapropriação.[14]
O Aqueduto de Los Angeles foi apresentado aos cidadãos como vital para o crescimento da cidade.[8] Contudo, era desconhecido do público que uma parte da água seria usado para a irrigação no Vale de São Fernando, ao norte, que na época não fazia parte da cidade.[8] Um sindicato de investidores (novamente, amigos próximos de Eaton, inclusive Harrison Gray Otis) comprara grandes terrenos no vale com essa informação privilegiada.[8][10] Esse sindicato fez grandes esforços para negociar os títulos dos fundos de financiamento para o aqueduto, inclusive criando uma falsa seca (através de represamento das águas da chuva) e publicando artigos assustadores no Los Angeles Times, que Otis era o editor.[8]
Construção e operação do aqueduto
[editar | editar código-fonte]De 1908 a 1913, Mulholland dirigiu a construção do aqueduto.[15] Os 359 quilômetros de extensão do aqueduto foram completados em novembro de 1913, com o trabalho de 2.000 trabalhadores e a escavação de 164 tuneis.[15] O projeto foi comparado em complexidade pela neta de Mulholland[16] ao Canal do Panamá. A água do Rio Owens foi represada num reservatório no Vale São Fernando em 5 de novembro.[15]
Após o aqueduto ter sido finalizado em 1913, os investidores de São Fernando pegaram muita água do Owens Valley a ponto do lugar no meio do deserto ficar conhecido como "A Suiça da Califórnia".[15] Mulholland tinha sido impedido de obter água adicional do Rio Colorado, daí decidiu pegar toda a água do Owens Valley.[1]
Em 1923, agricultores e pecuaristas organizaram uma cooperativa para conseguirem recursos para a irrigação. Aproveitando-se do desencanto de alguns agricultores, Los Angeles negociou para adquirir os direitos da água da cooperativa. Assim, os custos da cooperativa se tornaram muito altos e o resto dos pecuaristas foi forçado a vender seus direitos à água para Los Angeles.[1] Após esses negócios e o aumento do desvio, a água do Lago Owens baixou muito em 1924.[17]
Era tanta a água desviada do vale que os agricultores e pecuaristas se rebelaram em 1924.[2] Uma série de provocações de Mullholland causou ameaças e destruição de propriedades de Los Angeles pelos agricultores locais.[1] Finalmente, um grupo de rancheiros armados invadiu o Alabama Gates e dinamitou parte do sistema, fazendo a água retornar para o leito do Rio Owens.[2]
Essa ação armada foi em vão pois em 1926,a parte inferior do Lago Owens secou completamente.[18] Em 1928, Los Angeles era dona de 90 por cento da água do Owens Valley.[15] A agricultura no vale estava definitivamente morta.[2]
O segundo aqueduto do Owens Valley
[editar | editar código-fonte]Em 1970, o LADWP completou o segundo aqueduto.[7] Em 1972, as autoridades começaram a desviar a água da superfície e bombear as subterrâneas a um ritmo de muitos metros cúbicos por segundo. As nascentes do Owens Valley secaram e desapareceram e a vegetação começou a morrer.[2][19]
Em razão da LADWP nunca ter completado um Relatório de Impacto Ambiental (sigla em inglês EIR) sobre o bombeamento das águas subterrâneas, o Condado de Inyo processou Los Angeles com base na Lei de Qualidade Ambiental da Califórnia.[19] Los Angeles não parou o bombeamento mas apresentou um curto EIR em 1976 e um segundo em 1979, ambos rejeitados como inadequados pelo tribunal.[20]
Em 1991, o Condado de Inyo e a cidade de Los Angeles assinaram o Tratado da Água ("Inyo-Los Angeles Long Term Water Agreement"), que exigia que o bombeamento subterrâneo fosse administrado tendo em vista os impactos significativos e o abastecimento confiável para Los Angeles. Em 1997, o Condado Inyo, Los Angeles, o Comitê do Owens Valley, o Sierra Club e outros assinaram um Memorando de Intenções que especificava os termos em que o Rio Owens seria reabastecido até junho de 2003 como mitigação parcial dos danos ao Owens Valley causados pelo bombeamento subterrâneo.[21]
Contrariando o memorando, contudo, Los Angeles não reabasteceu o rio até junho de 2003. Em dezembro de 2003, o LADWP foi acionado pelo procurador-geral da Califórnia Bill Lockyer, o Comitê Owens Valley e o Sierra Club. Sob os termos da ação, os prazos para o projeto de reabastecimento foram revistos. O LADWP deveria devolver a água ao Rio Owens até 2005.[22] Esse prazo foi suprimido mas em 6 de dezembro de 2006, uma cerimônia no mesmo lugar em que William Mulholland abriu o aqueduto, marcou o reinício do fluxo de água para o rio.[23]
O bombeamento das águas subterrâneas continuou e a longo prazo o Owens Valley se tornará um deserto.[24]
Mono Lake
[editar | editar código-fonte]Na década de 1930, a necessidade de abastecimento de água para Los Angeles continuava a aumentar. O LADWP iniciou a compra dos direitos da água da Bacia Mono (a mais próxima ao norte do Owens Valley).[25] e construiu um prolongamento do aqueduto com escavações de tuneis através das Crateras Mono (um campo vulcânico ativo).[26] Em 1941, esse prolongamento foi terminado e a água de vários riachos (como o Rush) foram canalizadas para o aqueduto.[26] Para atender a lei da água da California, o LADWP instalou um viveiro de peixes em Hot Creek (Condado de Mono), próximo a Mammoth Lakes.[26]
Os riachos desviados alimentavam Mono Lake. Esse lago servia como um ecossistema vital onde gaivotas e pássaros migratórios faziam seus ninhos.[27] Devido a canalização das águas, o nivel do lago baixou, expondo a formação de tufas.[28] A água ficou mais salina e alcalina, ameaçando crustáceos Artêmia, bem como pássaros que habitam as duas ilhas (Ilha Negit e Ilha Paoha) do lago.[28] A baixa das águas começou a formar uma ponte de rocha até a Ilha Negit Island, o que possibilita a ida de animais predadores que se alimentam de ovos até lá.[27]
Em 1974, David Gaines começou a estudar a biologia de Mono Lake. Em 1975, enquanto estava em Stanford, ele começou a examinar outros aspectos do ecossistema daquele lago.[29] Em 1977 foi feito um relatório sobre os perigos ao ecossistema de Mono Lake causados pelo desvio das águas. Em 1978, o Comitê Mono Lake foi formado para proteger o lago.[29] O Comitê e a National Audubon Society processaram o LADWP em 1979, alegando que o desvio das águas violava a Doutrina da Fé Pública que estabelecia que águas navegáveis deveriam ser administradas em prol do benefício de todos.[29] e a decisão da Corte Suprema da California de 1983 favoreceu o comitê.[29] Muitos litígios começaram em 1984 contra o LADWP, alegando-se que ele não teria completado as obras de proteção à pesca pedidas pela lei.[30]
Todos os litígios foram adjudicados em 1994 para o California State Water Resources Control Board (SWRCB).[31] As audiências com a SWRCB duraram 44 dias e foram conduzidas pelo vice-presidente do gabinete Marc Del Piero que atuou como auditor oficial.[31] Pela norma Decisão SWRCB 1631, as autoridades estabeleciam restauração do ecossistema e o LADWP estava compromissado a devolver a água ao Mono Lake até o nível de 6.1 m acima da medida da época e inferior a de 1941.[31] Até 2011 o nível da água do Mono Lake deveria aumentar mais quatro metros.[32] Los Angeles compensaria a água perdida através de projetos de conservação e reciclagem.[31]
Referências
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Leituras
[editar | editar código-fonte]- Stewart, William R. (1907). «A Desert City's Far Reach For Water: A $23,000,000 Aqueduct For Los Angeles». The World's Work: A History of Our Time. XV: 9538–9540. Consultado em 10 de julho de 2009